“A educação é um campo de disputa permanente. É um campo de conflito também”, disse o sociólogo Cesar Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), ao site da fundação Perseu Abramo — mantida pelo PT com dinheiro do fundo partidário.
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A fala dá o tom da atuação militante de Callegari no cenário da educação brasileira. Ex-secretário em governos de Lula, Dilma Rousseff e Fernando Haddad, ele agora está à frente de um órgão estratégico para o projeto petista de controle curricular, combate ao conservadorismo, imposição de pautas identitárias e, claro, garantia de mais financiamentos públicos.
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Não bastasse ser um defensor da tese de que não existe neutralidade na elaboração de currículos, ele tem se esforçado em refutar propostas que ganharam força no campo da direita nos últimos anos. Entre elas o homeschooling, o sistema de vouchers e, principalmente, as escolas cívico-militares.
“Escola não é quartel”, afirma o título de um artigo escrito pelo presidente do CNE e publicado na revista de esquerda CartaCapital. Segundo o sociólogo, é “espantoso” que essa ideia tenha a simpatia de famílias e professores.
“Cumprir ordens vai na contramão das exigências da vida moderna. Menos hierarquia, menos comando e controle, mais ousadia e criatividade”, diz Callegari, cuja trajetória política ainda inclui dois mandatos como deputado estadual pelo PSB paulista (1995-2003).
Ele também considera o homeschooling uma “ideia obscurantista”, que “fragiliza o direito à educação”. E associa os vouchers (vales fornecidos por estados e municípios para os pais matricularem os filhos em colégios particulares) ao “ultraliberalismo” e à “lógica do mercado”.
Em declarações à imprensa, ele costuma atacar os entusiastas dessas modalidades chamando-os de “terraplanistas”, “negacionistas” e “milicianos fundamentalistas”, enquanto adota um vocabulário woke quando descreve suas teses (carregadas de palavras como “equidade”, “empatia” e “afeto”).
O mais preocupante, no entanto, é o seu apreço pelo conceito de “controle social da educação” — o tipo de expressão que parece saída da cartilha de um regime autoritário.
No papel, esse pilar retórico da esquerda consiste na supervisão e influência dos cidadãos sobre as políticas públicas. Mas, na prática, a participação acaba limitada a entidades, sindicatos e outros grupos alinhados ao governo, sem qualquer abertura para a pluralidade (tampouco para vozes divergentes).
Lenga-lenga politicamente correta
Vinculado ao Ministério da Educação, o CNE tem a função, em linhas gerais, de “pensar” as políticas nacionais para o setor. Seu quadro é composto por dois secretários do próprio MEC e 22 representantes da sociedade civil, que têm mandatos de quatro anos.
Em agosto de 2024, Lula indicou 13 novos membros. Entre os escolhidos estão ex-deputados do PT e do PSB, educadores populares (voltados para grupos “marginalizados e oprimidos”) e um sindicalista conhecido por organizar greves que paralisaram aulas em todo o país (Heleno Araújo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, ligada à CUT).
Cesar Callegari, que já havia participado do CNE em outras duas ocasiões e integrou a equipe de transição de Lula, também entrou nesse bonde. E, em novembro, elegeu-se por unanimidade presidente do colegiado.
Não demorou para o sociólogo imprimir sua marca ideológica à frente do Conselho. No último dia 11, o órgão foi alvo de críticas ao aprovar uma resolução controversa sobre os itinerários formativos do ensino médio (disciplinas optativas selecionadas pelos estudantes para se concentrarem em áreas específicas de afinidade, como profissões ou assuntos que desejam explorar além do básico).
Chama a atenção o fato de o texto não fazer referências diretas a matérias como matemática, português, física ou química. Em vez disso, traz uma lenga-lenga conceitual politicamente correta e de humor involuntário.
Como a enigmática proposta de “reconhecer as manifestações da cultura corporal de movimento e os sentidos e significados do corpo humano e das práticas corporais na área de linguagens e suas tecnologias nos campos da vida pessoal e da vida pública”.
Para especialistas críticos ao documento, os novos parâmetros prejudicam os jovens mais pobres, matriculados na rede pública — que, impedidos de se aprofundar em áreas decisivas do conhecimento, ficarão ainda mais defasados em relação aos alunos das escolas particulares. O resultado é um país menos preparado e competitivo (e mais desigual).

Nota vermelha também vale
Cesar Callegari não parece apenas se opor à competitividade. O sociólogo de 71 anos também já mostrou que faz pouco caso da meritocracia.
Em 2014, quando atuava como secretário de Educação da cidade de São Paulo, na gestão de Fernando Haddad, ele causou alvoroço no setor ao determinar que os estudantes da rede municipal seriam aprovados mesmo com notas vermelhas em todos os bimestres.
O importante, segundo ele, era avaliar se o aluno havia melhorado seu desempenho e demonstrava ter potencial para acompanhar a turma no ano seguinte. “O sujeito teve 3, 2, 2, 4 [notas bimestrais] e, como ficou tudo no vermelho, será reprovado. Não é isso. Queremos a avaliação do processo inteiro”, disse, na ocasião, ao jornal Folha de S. Paulo.
A diretriz chocou até o sindicato dos diretores de colégios da rede pública, que divulgou um comunicado definindo-a como “politiqueira”. Ainda de acordo com a entidade, as escolas estavam sendo pressionadas a não reprovar.
Ataques a Tarcísio e Ratinho
Além de ocupar cargos em governos do PT ou alinhados com o partido, Cesar Callegari atua como uma espécie de “soldado vocal”, sempre disposto a gritar contra quem se colocar no caminho de seu grupo político. Especialmente após o impeachment de Dilma Rousseff, quando se posicionou como opositor ferrenho da reforma do ensino médio, instituída durante a passagem de Michel Temer pela presidência.
Em dezenas de entrevistas, o sociólogo repudiou as novas diretrizes, classificando-as cono “desmonte da educação”, “tentativa de brutalização” e “redução significativa dos direitos dos jovens brasileiros”. Também apoiou, em 2016, o movimento de ocupação de escolas tramado por entidades como UNE e UBES.
Aliás, uma de suas principais críticas à reforma dizia respeito justamente aos já citados itinerários formativos — que ele definiu na época como “completamente vazios” e de certa forma acaba de perverter à frente do CNE.
Com Jair Bolsonaro no Planalto, Callegari subiu ainda mais o tom. Descreveu a gestão como “um período de trevas” e declarou o ex-ministro Paulo Guedes “inimigo da educação”, devido aos cortes orçamentários anunciados pela pasta da Economia em 2020.
O sociólogo, contudo, não se manifestou publicamente sobre o pacote de cortes anunciado por Lula no ano passado, que retira R$ 4,23 bilhões do MEC nos próximos cinco anos.
Atualmente, o cabeça do CNE tem direcionado seus ataques às supostas “tentativas de privatização e precarização” do ensino promovidas pelos governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Ratinho Júnior (PR) — dois pré-candidatos à presidência com bons índices de aprovação e chances reais de atrapalhar a reeleição de Lula. Coincidência?
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com assessoria do CNE para solicitar uma entrevista com Cesar Callegari, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto.
Via Portal Gazeta do Povo