Recentemente escrevi nesta coluna um artigo intitulado “O que o PT não quer que saibamos sobre o dia 8 de janeiro?”. Pois bem ‒ nada como um dia após o outro ‒, depois da veiculação do vídeo na última quarta-feira, onde o ex-ministro do GSI Gonçalves Dias, naquele fatídico domingo de janeiro, assiste e até mesmo guia os depredadores por entre salas e antessalas do Palácio da Alvorada, podemos entender o que escondia aquela dúvida levantada por meu artigo. O que o governo queria esconder é tão somente a sua parte de cumplicidade nos atos de vandalismo daquele dia. Os indícios de que algo do tipo tivesse ocorrido, de que o governo tivesse facilitado ou, quiçá, até mesmo participado de alguma forma daqueles atos, eram muitos já na época do meu referido texto. Para aqueles que queriam enxergar para além da borda do que a mídia tradicional e a assessoria do governo queriam mostrar, muitas coisas já soavam evidentes naquela altura. O sigilo de cinco anos sobre as imagens daquele dia imposto por Lula; o esforço magnânimo para impedir a CPI nas casas legislativas; os rios de dinheiro gastos para convencer parlamentares e senadores a desistirem de investigações mais aprofundadas; sem falar do documento que o deputado Kim Kataguiri havia exposto na Jovem Pan, mostrando a leniência criminosa do ministro da Justiça, Flávio Dino, ante os ataques do dia 8 ‒ dado que a Abin e demais serviços de segurança de Brasília haviam avisado com antecedência ao ministro sobre a iminência dos ataques aos prédios dos poderes. Tudo isso já revelava, naquele momento, que o governo estava muito longe da sua pressuposta e teatral inocência.
Algumas questões importantes surgem desse novo fato evidenciado pela mídia: qual a participação de Flávio Dino nisso tudo? Afinal, é mais do que improvável que o ex-ministro Gonçalves tenha agido por livre e espontânea vontade e sem o conhecimento de Dino e de outros líderes governamentais. Há uma consonância evidente entre os atos de leniência do ministro da Justiça e o serviço de guia turístico de terroristas de Gonçalves revelado no referido vídeo. Lula sabia disso tudo? É quase tosco pensar que não, afinal, Lula já tinha acesso a esses vídeos ‒ tanto que colocou sigilo sobre eles ‒ e, assim sendo, sabia de antemão dessa conduta do general e o manteve até a última quinta-feira sob suas asas de proteção. Tentar fazer crer que Lula descobriu somente agora o que o general fez é o mesmo que caçoar da razoabilidade dos brasileiros; se eu fosse da sua equipe, aliás, já o aconselharia a não ir por aí em sua defesa, a ingenuidade do populacho não pode ser confundida com burrice lesada.
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Entretanto, aqui vem outra questão importante: se Lula sabia e deliberadamente manteve o general em seu cargo, cometendo um ato claro de acobertamento ou, como gostam os juristas, de prevaricação, isso é mais sério do que os governistas podem imaginar. Por menos que isso, Dilma caiu. Todos os fatos levam a crer que Lula sabia da frouxidão das decisões de seus ministros ante a segurança dos prédios agredidos, seja por parte do GSI, seja por parte do ministro da Justiça, os alertas de segurança emitidos pelos serviços de segurança do país não pararam em ministros e subordinados, obviamente que eles chegaram também em Lula. Culpá-los, e tentar fazer deles seus bodes expiatórios ‒ o que naturalmente acontecerá com Gonçalves Dias agora ‒, não vai colar; Lula sabia da condescendência de seus ministros ante a invasão criminosa do dia 8, e isso já é ponto pacífico entre aqueles que usam cérebros ao invés de fidelidades ideológicas.
A última questão, entretanto, e a mais lacerante e séria de todas é a seguinte: se Lula sabia, se calou e acobertou seus ministros até aqui, demitindo Gonçalves Dias somente após os vazamentos das imagens, é fácil intuir que ele possa diretamente fazer parte dessas decisões de omissão consentida de seus ministros; que, mais que do que uma ameba enganada ‒ aquilo que desde a história do triplex e do sítio de Atibaia ele se acostumou a ser: o último a saber de tudo, o coitado enganado ‒, ele possa ser antes o mandante ou facilitador de um ataque aos prédios dos três poderes a fim de angariar apoio midiático, popular e internacional, enquanto posava de vítima de uma tentativa de golpe construído por Bolsonaro e seus séquitos. Essas são ilações seríssimas, porém, justas. Após sabermos que um ministro ‒ um dos mais íntimos de Lula ‒ guiou e abriu portas para os vândalos no dia 8 de janeiro, tais conexões são plenamente passiveis de serem feitas, pois indícios sérios de condescendência começaram a aparecer sob a luz do meio-dia.
Para terminar, uma das pitangas expostas após os vazamentos foi a revelação de que Lula esbravejou histericamente durante a reunião que acabou com a queda do general Gonçalves Dias, dizendo que os militares que vazaram as imagens queriam guerra, e por isso a teriam. Ou seja, segundo o que chegou à mídia, ele ficou bravo com o fato do vazamento das imagens que ele buscava esconder, e não com os atos do ministro ali revelados. A sua preocupação era com a verdade que vinha à tona, e não com o facilitador das depredações que estava em seu meio mais íntimo. Isso explica muito sobre tudo que questionamos há pouco. Lula age não com surpresa ante os atos do general, não com revolta de traição, mas com raiva por ter sido exposto naquilo que ele queria tão ferrenhamente esconder do público e de seus críticos.
Tudo leva a crer que seu governo é muito mais lobo do que chapeuzinho vermelho nesse conto de golpe; Lula pode ter sido, sim, o arquiteto desse teatro bizarro e sujo. Até quarta isso soaria mais como teoria da conspiração, hoje a seta aponta para o terreno da possibilidade real. E não se engane o governo, essa percepção não é só minha, nas minhas andanças e conversas com jornalistas, muitos ‒ muitos mesmos ‒ já vislumbram isso também. Tudo leva a crer que o dia 8 vai durar muito ainda, e que, tal como nos melhores roteiros de filmes de conspiração governamental, os verdadeiros golpistas podem ser aqueles que estão sentados nas cadeiras do poder, fingindo serem os alvos dos ataques que eles mesmos planejaram.
Fonte: JP